Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
Não vem das obras, para que ninguém se glorie.
SHALOM, JB.
Por: Valmir Nascimento Milomem
“Não tenho a capacidade de ser claro para quem não quer ser atento”, escreveu Jean Jacques Rousseau em seu “Contrato Social”. Advertência essa que tomo emprestado antes de iniciar este texto.
Portanto, o título deste artigo não está errado. A impressão deste jornal não está equivocada, e o colunista, pelo menos assim o creio, não está louco. Antes que você faça então qualquer julgamento precipitado, sugiro que vá até o ponto final deste texto, para que, aí sim, tire suas conclusões.
Feitas essas considerações, volto a afirmar: A GRAÇA DE DEUS É INJUSTA, e, consequentemente, A JUSTIÇA DE DEUS É INGRATA. Eu sei que ambas as afirmações podem soar como heresia ou como invenção teológica moderna, porém, como a seguir veremos, são duas grandes verdades presentes nas Sagradas Escrituras e tão óbvias que sempre nos passam despercebidas.
Comecemos pelos conceitos
Justiça, como bem entendem os juristas, é dar a cada um aquilo que lhe pertence. O juiz quando julga atribui a cada pessoa os seus direitos e obrigações. Justiça, então, é dar às pessoas aquilo que elas merecem, sejam coisas boas ou más.
O conceito de graça, contrariamente, é favor imerecido. A pessoa recebe algo sem merecer ou sem ter envidado algum esforço para tanto. É ganhar um presente. Uma dádiva.
Os conceitos de justiça e graça são, como visto, diametralmente opostos. Justiça é direito. Graça é favor. Justiça é merecimento. Graça é desmerecimento. Justiça é possibilidade. Graça é necessidade. A justiça divide. A graça soma. A justiça exclui. A graça inclui.
Baseado nisso é que se afirma categoricamente que a graça de Deus é injusta e a justiça de Deus é ingrata, pois uma é contrária a outra. Afinal, se a graça do Criador não fosse injusta ela não seria graciosa; e se a justiça Dele não fosse ingrata também não seria justa.
Para que o assunto fique mais claro, vejamos uma parábola proposta por Jesus (Mt. 19.20-16). É sobre um pai de família que em determinado dia sai à procura de trabalhadores para a sua vinha. De madrugada encontrou com alguns, e, negociando com eles mandou-os para sua vinha por um dinheiro por dia. Na terceira hora viu outros que estavam ociosos, e, também a esses mandou para a vinha, sem, no entanto, ajustarem o valor. Perto da sexta hora, da mesma forma, despachou mais trabalhadores. E, ainda, quando o dia quase terminava, na undécima hora, contratou mais trabalhadores para a sua vinha.
O dia termina. A hora de receber é chegada. O pai de família ordena ao seu administrador para que proceda o pagamento aos trabalhadores, começando do últimos até os primeiros. Forma-se um fila. Os trabalhadores estão alegres. Hora de receber pelo seus esforços. Alguns estão cansados, outros nem tanto.
Os trabalhadores que foram contratados por último chegam até o mordomo, e, cientes de que haviam pouco laborado esperam qualquer valor como pagamento, qualquer coisa é lucro. No entanto, para surpresa deles (e dos demais trabalhadores também), o mordomo paga o valor correspondente a um dia inteiro de trabalho (um dinheiro). Eles ficam eufóricos. Mal podiam acreditar no que estava acontecendo. Trabalharam somente uma hora e receberam por um dia de trabalho.
Imagino que nesse momento, os outros trabalhadores também tenham ficado contentes. Acho que até diziam entre eles: – Se esses aí trabalharam menos que nós, quer dizer então que nós receberemos muito mais que eles!
O mordomo chama na seqüência os trabalhadores das seis horas. Paga a eles o mesmo valor: um dinheiro. E depois, os trabalhadores das três horas, retribuindo-os com a mesma quantia. Penso então que ficaram desconcertados; sem entender o que estava acontecendo. Porém, nenhum deles reclama. Pegam o pagamento e se retiram.
Ao chegar, no entanto, na hora do pagamento daqueles que foram contratados na madrugada é que a coisa complica. O mordomo chama-os, e efetua o pagamento: um dinheiro para cada um. E eles começam a murmurar contra o pai de família: “Estes últimos trabalharam só uma hora, e tu o igualaste a nós, que suportamos a calma e a fadiga do dia” v. 12.
Creio, certamente, que se eu fosse um daqueles homens que trabalharam desde a madrugada e tivesse recebido o mesmo valor que os demais, inclusive os trabalhadores da última hora, eu teria murmurado também. Teria chamado o pai de injusto. Teria arrumado um pé de briga.
Imagino que não somente eu teria feito isso, mas muitas outras pessoas fariam o mesmo; afinal um visão fria e lógica do acontecido nos leva a pensar que estamos diante de uma verdadeira injustiça. Pagar o mesmo salário para trabalhadores que laboraram em quantidades distintas é um absurdo. Premiar todos igualmente parece um enorme equívoco.
Porém, essa visão insensata é estilhaçada com as palavras do pai de família. Conforme ele responde para os trabalhadores que o acusavam: “Amigo, não te faço injustiça; não ajustaste tu comigo um dinheiro?” v. 13. Em outras palavras ele está dizendo: Fui justo contigo, paguei o que havíamos combinado. Tem-se aqui, portanto, o conceito de justiça na pratica: Dar a cada um aquilo que lhe é devido.
E ele ainda continua: “Toma o que é teu e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti. Ou não é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom? v.14,15. Aqui temos a graça na prática: um favor imerecido àqueles que menos trabalharam.
Philip Yancey denomina o acontecido nessa parábola de a matemática atroz do evangelho, o que, segundo ele, parece ser um absurdo. Eis que a decisão do patrão desafia as regras de economia e da justa recompensa. Da mesma forma que parece um absurdo um pastor deixar noventa e nove ovelhas desamparadas no deserto e partir em busca de somente uma. Afinal, como diz o ditado popular, “mais vale um na mão do que dois voando”?.
Mas o evangelho, pasmem, é repleto de absurdos se analisado segundo a lógica humana. A salvação e a obra de Cristo não é baseada na forma de pensar terrestre. Os atos divinos são incoerentes com o pensamento do homem. É por isso que o evangelho é loucura para todo aquele que crê!
Yancey aduz então que Jesus não proferiu essa parábola visando a dar uma aula sobre benefícios trabalhistas, e sim mostrar a atitude de Deus para conosco. A matemática do reino espiritual parece ser estranha como a que foi usada nessa situação, mas, conforme disse Kierkegaard, o evangelho é assim: altera todas as nossas convicções relacionada a preço e valor.
Portanto, quando se diz que a graça divina é injusta, faz-se menção a uma injustiça benéfica e positiva, que é capaz de proporcionar ao ser humano dádivas as quais eles não teriam condições de atingir por seus esforços próprios. É uma injustiça que favorece a todos os homens, no sentido de promover a igualdade entre eles, independentemente de cor, raça ou religião. É um injustiça santa que nos torna capazes de achegar diante da presença do Criador. É um injustiça amorosa que nos concede aquilo que não podíamos comprar. E, por fim, é um injustiça misericordiosa que não nos pune como deveríamos ser punidos.
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